segunda-feira, 24 de outubro de 2016

SPOTS TO GO #2

DA TABERNA, AS FLORES E OS SEUS ESPINHOS

Chegou à Taberna da Rua das Flores e o Tiago já estava à porta, conjuntamente com outros grupos e outros casais ocupando grande parte do passeio estreito. Todos aguardavam mesa,  alguns com um copo de vinho conversando animadamente, outros olhando para o relógio.

- Já temos o nome na lista. Agora é aguardar por mesa!
- Ainda bem que conseguiste chegar mais cedo. Como foi hoje na clínica?
- Finalmente um dia mais calmo, aproveitei para tratar da papelada.

Tiago deu-lhe um beijo rápido. Uma formalidade. Não soube a nada. Vagamente a papel.

Mariana espreitou para dentro da taberna. Um espaço pequeno para tanto sucesso, com cadeiras e bancos em madeira, mesas com tampo de mármore e um chão de mosaico. Nas paredes armários de vidro com vinhos, conservas e cervejas artesanais completam a decoração simples, como se quer numa verdadeira taberna. Sem excessos.

Situado na rua com o mesmo nome, em pleno Chiado, há muito que faz parte de quase todos os roteiros e guias nacionais e estrangeiros. Com uma ementa pequena e que pode variar todos os dias, é fiel aos produtos da estação  e tem como missão recuperar alguns sabores que já tínhamos esquecido e incorporar novos. Não aceita reservas por telefone, faz parte da filosofia da casa chegar, dar o nome, receber um cálculo aproximado da hora para regresso e esperar. E esperar. Sabendo as regras, Mariana gostava muito de lá ir. Por ela, valia sempre a espera!

Um rosto familiar numa das mesas chamou-lhe a atenção. Virou-se para o Tiago e justificou-se:
- Vou só lá dentro cumprimentar um amigo que já não vejo há imenso tempo. Dá-me um minuto.

Alguém disse o seu nome com um sorriso rasgado, abrindo os braços calorosos quando a viu aproximar-se. Ela não queria interromper. Era só para dizer um olá.  
- Luís! Por Lisboa? Como estás? Não sabia que já tinhas regressado. Como foi lá no Dubai?
- Eu já voltei há mais de um ano e estive no Qatar Mariana. Nunca mais te vi. De vez em quando estou com o teu irmão. Temos de combinar alguma coisa. O Tiago? Tudo bem convosco?
-Está bem, está ali fora. Aguardamos a nossa mesa. Sim, vamos falando, claro. Bom resto de jantar!

Luís deu-lhe um beijo no rosto em jeito de despedida. Morno e meigo. Soube a Verão.

Quando se virou ele agarrou-a pelo braço. Sentiu a sua mão firme por cima do casaco.
- Está tudo bem?! – Disparou olhando-a nos olhos.

Porquê aquela pergunta? Ajeitou o cabelo, talvez estivesse desalinhado (como quase sempre) e passou a mão pelo rosto. Acenou com força e seguiu. A mesa junto à porta já estava pronta e Tiago acenava impaciente.

Um grande quadro de ardósia com a ementa do dia escrita a giz é colocado bem à frente dos seus olhos e uma jovem entusiasta explicou com detalhe em que consistia cada prato. O difícil foi escolher! Optaram por se focar nas opções do mar e começar com um clássico da casa, o picadinho de carapau (7,50€). Peixe fresquíssimo marinado com gengibre, maçã verde, aipo, cebola roxa e limão. O preferido do Tiago.

De seguida viria um tataki de atum ligeiramente braseado, delicioso, com sementes de sésamo e um molho espesso com miso (14€). Para fechar pediram espetadas de vieira enroladas em bacon estaladiço com maionese de wasabi (14€) que nunca dececionam. Antes ainda veio o couvert (3,50€) com broa muito boa, pão saloio, azeitonas marinadas e uma tacinha com azeite.

Hoje Mariana revê os momentos vividos a dois vezes sem conta. Este jantar e muitos outros antes e depois deste. A rotina já se tinha instalado, reconhecia, mas o amor estava lá, certo? Onde se tinham perdido enquanto casal?
"7 anos para o lixo. 7 anos para o lixo." Não conseguia parar de repetir baixinho.
Queria tanto voltar atrás no tempo, analisar as palavras, as que foram ditas, mas sobretudo as que ficaram entaladas por dizer. E saber o que fez mal. Foi tudo culpa sua.

Tiago vagueava agora o olhar pelo telemóvel, o garfo na mão direita, distraído, picava devagar  o bolo de chocolate delicioso e de sabor intenso polvilhado com açúcar (3€). Mariana não quis sobremesa. No ecrã sucediam-se fotos, frases inspiradoras e as notícias de última hora do outro lado do mundo, que agora é o nosso quintal.

Ela procurou o dela à solta na mala e fez o mesmo.

Um empregado interrompeu o momento e fez  menção de que outro casal esperava a mesa. Ainda havia muitas refeições por servir naquela noite. Pagaram e seguiram para o parque de estacionamento. O dia seguinte era de trabalho.


Mariana Reis



Taberna da Rua das Flores
Portuguesa/Petiscos
Rua das Flores, 103 (Chiado) Lisboa
15€/pax. aproximadamente
Descanso semanal: Domingo
De segunda a sexta: 12:00 às 00:00
Sábados: 16:00 às 00:00
Não aceita reservas
Não aceita cartões


"Qualquer um pode amar uma rosa, mas é preciso um grande coração para incluir os espinhos."

Clarice Lispector 





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